- Os sistemas penais e migratórios aproximaram-se, fenómeno conhecido como crimigração, fazendo com que infrações ligadas a fronteiras e documentos tenham hoje peso semelhante ao de crimes clássicos.
- Auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas e lenocínio são tratados como crimes graves, protegendo simultaneamente a soberania do Estado e a dignade dos migrantes, com penas de prisão e possível expulsão.
- A jurisprudência portuguesa e europeia mostra que nem todo apoio a imigrantes é crime: o que se pune é a exploração, o lucro ilegítimo e a facilitação consciente da permanência ou entrada irregular.
- Estudos empíricos indicam que o aumento da imigração não conduz necessariamente a mais criminalidade violenta, embora estrangeiros possam sofrer discriminação no sistema de justiça e na aplicação das penas.

Quando se fala em “crime grave” ligado à imigração, muita gente imagina automaticamente narcotráfico, terrorismo ou violência extrema, mas a realidade jurídica é bem mais complexa: hoje, infrações como auxílio à imigração ilegal, tráfico de pessoas, lenocínio e até certas fraudes documentais podem ser tratadas com um nível de severidade muito elevado, sobretudo quando envolvem exploração de pessoas em situação vulnerável. Esse enquadramento não é apenas penal: ele tem reflexos diretos no estatuto migratório, desde a recusa de vistos até à expulsão e proibições de reentrada.
Ao mesmo tempo, o discurso político e mediático tende a misturar, de forma pouco rigorosa, imigração, criminalidade e insegurança, alimentando perceções e identidades sociais que nem sempre batem certo com os dados empíricos: em Portugal, por exemplo, estudos extensos sobre criminalidade violenta e estatísticas prisionais mostram que não há uma relação automática entre aumento de imigrantes e aumento de crimes violentos, embora exista uma sobre‑representação de estrangeiros em prisão em certos tipos de crime e sinais de discriminação na acusação e na medida das penas. Para entender melhor como consumo cultural e discurso público moldam visões sobre crime, ver estudos sobre consumo e crime como produtores de identidade.
O que é um crime grave em contexto penal e migratório
Em direito penal, fala‑se muitas vezes em criminalidade violenta e criminalidade especialmente violenta, usando como critério principal a moldura penal máxima prevista para cada tipo de crime: em Portugal, o Código de Processo Penal define criminalidade violenta como as condutas dolosas contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas puníveis com pena de prisão cujo máximo seja igual ou superior a cinco anos. Já a criminalidade especialmente violenta corresponde às situações em que o máximo da pena é igual ou superior a oito anos.
Mas, para analisar o impacto desses crimes sobre a imigração, vários investigadores tiveram de construir um conceito operacional de criminalidade violenta mais adequado à comparação internacional e ao estudo empírico: muitos trabalhos passaram a considerar, de forma consistente com Eurostat e FBI, quatro grandes tipos legais — homicídio imprudente, roubo, ofensas à integridade física e violação — por serem condutas claramente dirigidas contra a vida, a integridade física e a liberdade sexual, com grande relevância para a sensação de segurança pública.
Os relatórios estatísticos europeus mostram que Portugal se situa na média da UE em termos de taxa de crimes violentos por 100 mil habitantes, bastante abaixo de países do centro e norte da Europa: apesar de variações anuais, tem sido registada uma tendência geral de diminuição ou estabilização da criminalidade violenta em vários Estados‑membros, incluindo Portugal, e em nenhum caso se consegue demonstrar, de forma robusta, que o aumento do número de estrangeiros residentes tenha causado um aumento proporcional de crimes violentos.
A Organização Mundial da Saúde define a violência como o uso intencional de força ou poder, efetivo ou em forma de ameaça, contra si próprio, outras pessoas ou uma comunidade, suscetível de causar lesão, morte ou danos psicológicos: este pano de fundo ajuda a enquadrar porque é que tráfico de seres humanos, exploração sexual ou laboral e certas formas de auxílio à imigração ilegal com finalidade de exploração são hoje tratados como crimes graves, mesmo quando não há, à primeira vista, violência física direta.
Crimigração: quando o direito penal e o direito migratório se fundem
Nas últimas décadas consolidou‑se o fenómeno da “crimigração” (crimmigration): uma aproximação profunda entre política criminal e política migratória, em que regras de imigração absorvem lógicas punitivas da justiça penal e, ao mesmo tempo, o direito penal é cada vez mais usado para reforçar o controlo de fronteiras e de fluxos migratórios.
Juliet Stumpf descreve três frentes principais dessa fusão entre direito penal e direito migratório: primeiro, o conteúdo material das leis penais e das leis de imigração convergem, criminalizando comportamentos antes puramente administrativos; segundo, as sanções migratórias, como a deportação, são reforçadas com penas criminais que se somam; terceiro, os procedimentos de imigração começam a assemelhar‑se a processos penais, com detenções, audiências quasi‑judiciais e restrições severas de direitos.
Na Europa, esse movimento é visível na criminalização alargada do auxílio à entrada, trânsito ou permanência irregulares, na figura da angariação de mão de obra ilegal e em políticas de expulsão automática de estrangeiros condenados por determinados crimes: as medidas penais e administrativas funcionam como um pacote integrado de controlo, em que o mesmo facto dá origem, por um lado, a pena de prisão e, por outro, a afastamento e proibição de reentrada durante vários anos, com impacto profundo na vida familiar e profissional do migrante.
Em Portugal, a criminóloga Maria João Guia analisou este processo desde o início do século XXI, mostrando como os imigrantes passaram a ser frequentemente associados às “ondas de crime” no discurso público, mesmo sem base empírica sólida: a ideia de que o aumento de crimes violentos estaria diretamente ligado à subida do número de imigrantes foi amplamente disseminada, mas os dados estatísticos sobre reclusos e condenações não confirmam essa correlação automática.
Observa‑se, porém, um aumento da proporção de estrangeiros na população prisional, acompanhado de indícios de discriminação na acusação, na aplicação da prisão preventiva e na escolha das penas e respetiva duração: isto significa que, embora os imigrantes não cometam mais crimes violentos do que os nacionais, podem enfrentar um tratamento mais severo no sistema de justiça, o que amplifica o efeito das normas penais e migratórias sobre este grupo.
Auxílio à imigração ilegal: elementos do crime e bens jurídicos protegidos
Um dos principais tipos penais com impacto direto sobre a imigração é o crime de auxílio à imigração ilegal, previsto na Lei de Estrangeiros portuguesa (Lei n.º 23/2007, art. 183.º, com várias alterações ao longo do tempo): este crime pune quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, o trânsito ou a permanência ilegais de cidadãos estrangeiros em território nacional. O legislador distingue duas situações: sem intenção lucrativa (n.º 1), com pena de prisão até três anos, e com intenção lucrativa (n.º 2), com pena mais elevada.
A jurisprudência portuguesa tem dado relevo aos bens jurídicos tutelados por esta incriminação, que não se reduz a uma lógica puramente securitária de controlo de fronteiras: por um lado, protege‑se a soberania do Estado e a necessidade de gerir de forma ordenada os fluxos migratórios; por outro lado, protege‑se a própria pessoa imigrante, vista como grupo social vulnerável, facilmente sujeita a exploração laboral, sexual ou económica, justamente por se encontrar em situação irregular.
Os tribunais sublinham que o auxílio à imigração ilegal é, frequentemente, um crime de perigo, muitas vezes de perigo abstrato, em que não é necessário comprovar danos concretos para a vítima ou para o Estado: basta criar ou aumentar um risco juridicamente inaceitável, seja facilitando a entrada irregular pela fronteira, seja garantindo condições de permanência e trabalho à margem dos requisitos legais, especialmente quando há proveito económico envolvido.
No plano objetivo, os elementos típicos do crime incluem qualquer forma de favorecimento ou facilitação — por exemplo, organizar viagens, fornecer alojamento, assegurar transporte, obter documentos falsos, criar empresas de fachada ou intervir em processos administrativos com dados falsos — o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, e o sujeito passivo é o cidadão estrangeiro cuja entrada, trânsito ou permanência se torna ilegal em virtude da conduta do agente. Para uma leitura complementar sobre os elementos típicos e a estrutura do crime, ver análise dedicada.
Do ponto de vista subjetivo, exige‑se dolo, isto é, conhecimento e vontade de prestar auxílio ilícito a estrangeiro em situação irregular, ciente de que tal entrada, trânsito ou permanência viola as normas migratórias: quando o tipo legal prevê a “intenção lucrativa” (caso do n.º 2 do art. 183.º), não se trata apenas de lucro financeiro clássico; a jurisprudência tem entendido lucro num sentido amplo, englobando qualquer vantagem material, moral ou até reputacional que o agente procure obter.
Intenção lucrativa, auxílio humanitário e limites da punição
Uma questão sensível é a distinção entre auxílio criminoso e simples ajuda humanitária a imigrantes em situação irregular: se o ordenamento punisse qualquer forma de apoio à permanência, mesmo sem intenção de lucro, seriam abrangidas condutas como acolher temporariamente um estrangeiro em casa por solidariedade, oferecer refeição ou prestar assistência básica, o que seria considerado pelo próprio legislador como desproporcionado e moralmente inaceitável.
Por isso, o n.º 1 do art. 183.º não prevê, em regra, o auxílio à permanência, concentrando‑se na entrada e no trânsito, e o n.º 2, que inclui a permanência, exige que o agente atue com intenção lucrativa: a lógica é afastar do âmbito penal as ajudas motivadas por razões humanitárias e focar a punição naqueles que exploram a vulnerabilidade dos imigrantes, obtendo vantagens à custa da sua irregularidade documental ou da sua necessidade económica.
A jurisprudência oferece exemplos claros desta distinção, como o caso de dirigentes de clubes desportivos que recrutam jogadores estrangeiros em situação irregular, prometendo falsamente regularizar a residência para que aceitem salários muito baixos: ainda que o clube não lucre diretamente com a entrada ilegal em si, a vantagem competitiva obtida (títulos desportivos, prémios, poupança salarial) é entendida como lucro para efeitos do tipo legal de auxílio à imigração ilegal com intenção lucrativa.
Outro exemplo envolve donos de bares e discotecas que permitem que cidadãs estrangeiras em situação irregular trabalhem na atividade de alterne e prostituição, retendo percentagens dos ganhos e proporcionando alojamento precário: os tribunais têm considerado que, ao permitirem esse trabalho e lucrarem com ele, estes agentes facilitam a permanência ilegal e preenchem o crime de auxílio à imigração ilegal, mesmo que a atividade de prostituição em si não seja diretamente punida.
Decisões europeias clarificam limites à extensão da punição, como o entendimento de que um progenitor de país terceiro que entra de forma irregular na UE acompanhado do próprio filho menor não pode ser punido por auxílio à entrada irregular, pela simples razão de estar a exercer a sua responsabilidade parental: neste caso, a proteção da unidade familiar e dos deveres parentais prevalece sobre a lógica de incriminação.
Tráfico de pessoas: crime de execução vinculada e impacto sobre migrantes
O tráfico de pessoas é outro crime que, embora não seja exclusivamente migratório, tem efeitos profundos sobre imigrantes e é tratado como particularmente grave pelo direito penal português (art. 160.º do Código Penal) e pelo direito internacional: trata‑se de um tipo legal complexo, que abrange condutas como oferecer, entregar, recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoas para fins de exploração sexual, laboral ou em atividades criminosas.
Os tribunais caracterizam o tráfico de pessoas como crime de execução vinculada, porque não basta praticar uma das ações típicas (recrutar, transportar, alojar, etc.): é necessário que essas ações sejam realizadas através de determinados meios qualificados, como violência, rapto, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, abuso de autoridade em relações de dependência económica, laboral, hierárquica ou familiar, aproveitamento de especial vulnerabilidade da vítima ou obtenção de consentimento junto de quem controla a vítima. Para compreender meios como coerção e chantagem usados em contextos de exploração, consultar estudos sobre extorsão, coerção e chantagem.
Na prática, muitos casos ligados à imigração envolvem falsas promessas de trabalho e condições de alojamento desumanas, retenção de parte substancial dos salários e aproveitamento de barreiras linguísticas e do medo de deportação: por exemplo, decisões relativas a grupos de trabalhadores nepaleses explorados em explorações agrícolas em Portugal descrevem jornadas longas, salários imprevisíveis, condições sanitárias deploráveis e dependência total dos arguidos para alimentação, alojamento e suposta “legalização”.
Mesmo quando não há violência física direta ou retenção de documentos, os tribunais têm reconhecido o uso de ardil ou manobra fraudulenta e o abuso de situações de especial vulnerabilidade como meios típicos de execução do tráfico de pessoas: promessas enganosas de residência e autorizações de trabalho, contratos em língua que as vítimas não dominam e descontos abusivos nos salários são vistos como sinais de exploração e de domínio sobre a vítima.
Este tipo de crime é frequentemente ligado ao fenómeno da crimigração, porque as vítimas são, em grande parte, migrantes em situação irregular ou precária, que temem denunciar os factos por receio de expulsão ou de represálias dos exploradores: por isso, instrumentos internacionais como a Convenção de Palermo e convenções da OIT sublinham que o consentimento da vítima não exclui a ilicitude e que os Estados devem garantir proteção efetiva às vítimas, evitando que a irregularidade migratória seja usada contra a própria vítima de tráfico.
Lenocínio, exploração e ligação com a imigração
O lenocínio (proxenetismo) é outro crime que frequentemente se cruza com fluxos migratórios, sobretudo quando envolve mulheres estrangeiras: o artigo 169.º do Código Penal português pune quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar a prostituição de outra pessoa, com pena de prisão, distinguindo entre lenocínio simples (quando há livre determinação sexual de quem se prostitui) e lenocínio agravado (quando essa liberdade é corrompida ou inexistente).
O debate constitucional em torno da incriminação do lenocínio tem sido intenso, com decisões do Tribunal Constitucional oscilando entre juízos de inconstitucionalidade e de conformidade material: numa fase, foi declarada a inconstitucionalidade da norma por violação dos direitos à liberdade e ao desenvolvimento da personalidade; posteriormente, outro acórdão veio afirmar a sua compatibilidade com a Constituição, valorizando a necessidade de proteção contra exploração estrutural ligada à prostituição organizada.
Ao avaliar o bem jurídico protegido, o Tribunal Constitucional salientou que existe uma diferença substancial entre o exercício individual de prostituição (que não é crime) e a atividade empresarial que a fomenta, favorece ou facilita com intuito lucrativo: esta última aproxima‑se perigosamente de redes organizadas, nacionais e internacionais, que tendem a perpetuar situações de sujeição, controlo informal e limitação severa da liberdade das pessoas prostituídas.
Muitos casos de lenocínio estão ligados à imigração irregular, uma vez que redes de proxenetismo recorrem à vulnerabilidade económica e documental de mulheres estrangeiras para garantir submissão e disponibilização constante de serviços: aqui, cruzam‑se o crime de lenocínio com o delito de auxílio à imigração ilegal, quando, por exemplo, o arguido facilita a entrada ou permanência de estrangeiras para trabalharem em casas de alterne, beneficiando economicamente da sua atividade.
Imigração, crime violento e perceções de insegurança
Um ponto central é separar factos e dados empíricos das perceções sociais de insegurança, amplificadas pelo discurso político e mediático: vários estudos internacionais – em particular nos Estados Unidos – mostram que o aumento da imigração não está associado a um aumento da criminalidade violenta; pelo contrário, há evidência de que certos fluxos migratórios coincidem com períodos de queda de crimes violentos.
Teorias como a da seletividade migratória explicam parte deste fenómeno: muitos imigrantes que decidem deslocar‑se são, em média, mais ambiciosos, diligentes e orientados para o trabalho, o que diminui a propensão para o envolvimento em comportamentos criminais. Além disso, redes sociais de apoio e objetivos claros de melhoria de vida contribuem para reduzir a adesão à criminalidade, mesmo em contextos de privação económica.
A pesquisa empírica em Portugal vai na mesma linha: análises sobre reclusos entre 2002 e 2011, focadas em crimes como homicídio, roubo, ofensas à integridade física e violação, não encontraram uma relação direta entre o aumento da população estrangeira residente e um crescimento proporcional da criminalidade violenta. A exceção parcial é o crime de roubo, em que se observou algum grau de sobrerrepresentação de condenados não nacionais, embora sem prova de causalidade simples entre imigração e esse tipo de crime.
Os dados mais recentes de segurança interna indicam que o número total de crimes em Portugal se mantém abaixo dos valores registados em meados da década anterior, mesmo com forte aumento do número de estrangeiros com título de residência válido: ao mesmo tempo, índices internacionais como o Global Peace Index colocam Portugal entre os países mais pacíficos do mundo, com níveis elevados de segurança interna.
Isso contrasta com o crescimento das queixas de discriminação com base na nacionalidade e origem étnica, bem como com sondagens que apontam para o aumento da sensação subjetiva de insegurança em parte da população: ainda assim, a esmagadora maioria das pessoas declara sentir‑se segura na zona onde vive, e os estudos de valores europeus mostram que Portugal está entre os países em que a população menos associa imigrantes a aumento de criminalidade.
Consequências concretas para o estatuto migratório
Ser condenado por crime grave pode ter consequências diretas e indiretas para o estatuto migratório de uma pessoa estrangeira: além da pena de prisão, a lei e a prática administrativa podem prever a expulsão do território, a proibição de reentrada durante um determinado período, o indeferimento de novos pedidos de visto ou de autorização de residência e a perda de títulos já concedidos.
Em muitos ordenamentos, como o norte‑americano, o endurecimento das políticas migratórias tem levado a que infrações ligadas a fronteiras, vistos e permanência irregular sejam tratadas com extrema severidade, sendo apresentadas como ameaças à segurança nacional: discursos oficiais alertam que quem tenta entrar ilegalmente, mente em pedidos de visto ou permanece após a expiração da autorização pode enfrentar prisão, deportação e proibições permanentes de retorno, além de reforço de mecanismos de cooperação internacional para deter migrantes antes mesmo de chegarem à fronteira.
Há também um foco crescente na responsabilização de quem facilita a imigração irregular, desde passadores e redes de tráfico até funcionários estrangeiros e setores de transporte e turismo que tolerem ou incentivem fluxos clandestinos: políticas de restrição de vistos e sanções administrativas são usadas como forma de pressionar outros Estados e atores a colaborar no controlo migratório.
Na União Europeia, decisões do Tribunal de Justiça têm clarificado que alterações de contexto político, como a adesão de um país à UE, não apagam automaticamente crimes de auxílio à imigração ilegal cometidos antes dessa adesão: aplica‑se o princípio da não retroatividade da lei penal mais gravosa, mas a simples mudança do estatuto de um Estado de origem (por exemplo, de país terceiro a Estado‑membro) não elimina a ilicitude de condutas praticadas quando a permanência dos seus nacionais era ainda considerada irregular.
Por outro lado, alguns ordenamentos têm procurado afirmar o princípio da não criminalização das migrações, como acontece com a Lei de Migração brasileira, que prevê expressamente esse princípio e o desdobra em subprincípios como a não discriminação no processo penal, o devido processo nas medidas de retirada compulsória e a proibição de aprisionamento com base exclusiva no estatuto migratório: mesmo assim, propostas legislativas e portarias recentes mostram que a tensão entre políticas humanitárias e agendas securitárias permanece viva, exigindo monitorização constante pela doutrina e pelos tribunais.
No meio deste quadro complexo, a linha que separa infração administrativa, crime grave e sanção migratória é cada vez mais ténue: a mesma pessoa pode, por um único conjunto de factos, ser acusada penalmente, condenada a prisão, sujeita a expulsão, proibida de regressar e colocada em centros de detenção migratória, com forte impacto sobre a sua família, trabalho e integração social. Compreender bem o que é considerado crime grave, que bens jurídicos estão em causa e quais os limites da intervenção penal é, por isso, essencial para qualquer debate sério sobre imigração e segurança.
