As principais classificações de crimes: conceito, exemplos e diferenças entre Portugal e Brasil

Última actualización: dezembro 1, 2025
  • Diferença entre crime e contravenção/contraordenação e o papel do princípio da legalidade.
  • Classificações dogmáticas centrais: dano/perigo, material/formal/mera conduta; instantâneo/permanente/continuado.
  • Grupos de crimes por bem jurídico (pessoa, honra, patrimônio, sexuais, economia, justiça) com exemplos.
  • Penas e medidas em Portugal e no Brasil, e como essas classificações impactam a prática penal.

Classificações de crimes no Direito Penal

Em qualquer sistema penal sério, compreender como os crimes são classificados não é apenas um detalhe técnico; é o mapa que orienta a investigação, a acusação, a defesa e a decisão judicial. Essas classificações influenciam a tipificação, o tipo de prova necessária, o momento da consumação, a dosimetria da pena e até o regime de cumprimento. Falar de “as principais classificações de crimes” é, portanto, falar do coração do Direito Penal.

Ao longo das linhas a seguir, reunimos — e reescrevemos com linguagem clara e direta — o que as fontes mais relevantes em português apresentam sobre o tema, articulando conceitos, história, exemplos típicos e peculiaridades dos ordenamentos de Portugal e Brasil. Você vai ver desde noções elementares (dolo e negligência) até distinções refinadas (crime material, formal e de mera conduta; instantâneo, permanente e continuado; próprios, de mão própria e muitos outros), sempre com atenção à utilidade prática para estudantes, profissionais e interessados.

O que é crime: bases conceituais em Portugal e no Brasil

No plano conceitual, “crime” é, antes de tudo, uma conduta proibida pela lei sob ameaça de sanção penal. Em Portugal, pode-se dizer de forma direta que crime é um comportamento que infringe a lei e, por isso, atrai a aplicação de uma pena ou medida de segurança. Já para o Código de Processo Penal português, crime corresponde ao conjunto de pressupostos de que depende a imposição de pena ou de medida de segurança ao seu autor — uma visão processual que ressalta os requisitos para punir.

No Brasil, a Lei de Introdução ao Código Penal explicita a diferença entre crime e contravenção: crime é a infração penal a que a lei comina reclusão ou detenção, isoladamente, alternativamente ou cumulada com multa; já contravenção é a infração penal punida apenas com prisão simples ou multa (ou ambas), em regra menos grave. Com isso, fica claro que, dentro do sistema brasileiro, o crime é a categoria mais severa entre as duas espécies de infração penal.

Legalidade, dolo e negligência: pilares da responsabilização

Um princípio estruturante rege todo o Direito Penal moderno: nullum crimen, nulla poena sine lege. Em tradução livre, não há crime nem pena sem lei anterior que os defina. Isso quer dizer que o legislador não “proíbe” de modo genérico comportamentos, mas “tipifica” condutas (descreve-as) e comina penas específicas para quem as praticar. Na prática, a norma penal enuncia a conduta e a sanção; o intérprete e o juiz aplicam-na com base nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Outro ponto de ouro: a maior parte dos crimes só é punível a título de dolo. Em termos simples, dolo é a vontade consciente de realizar o fato típico, assumindo o agente o resultado. A punição por negligência — como imprudência, imperícia ou inobservância de dever de cuidado — precisa estar expressamente prevista em lei; não se presume. Isso vale tanto em Portugal como no Brasil, com os ajustes de cada ordenamento.

Raízes históricas e etimologia: de cernō a krima

A palavra “crime” tem uma história curiosa. Do latim crīmen (relacionado ao verbo cernō — decidir, julgar) e do grego antigo krima (julgamento, ofensa contra a comunidade), o termo atravessa milênios de elaboração jurídica e moral. Desde os primeiros códigos escritos, a humanidade tenta traçar fronteiras entre o permitido e o reprovado.

O Código de Ur-Nammu (c. 2100 a.C.) já listava situações com resposta punitiva, e o célebre Código de Hamurabi sistematizou, entre outros preceitos, a Lei de Talião (“olho por olho, dente por dente”), que autorizava a reciprocidade da ofensa no mesmo grau, numa lógica de retribuição. A antiga Lei de Moisés também previa sanções severas, enquanto o humanismo cristão — associado à figura de Jesus de Nazaré e ao valor do perdão — ajudou a modelar gradativamente respostas menos cruéis ao ato delituoso.

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Na Idade Média, a linha entre crime e pecado era difusa: o direito canônico influenciava fortemente, quando não se sobrepunha, ao direito dos Estados. A consolidação do princípio da legalidade, contudo, reordenou o terreno: não se pune sem lei anterior, e a pena deve ser estritamente a que a lei previu. É o alicerce do sistema penal contemporâneo.

Penas e medidas: do aviso à prisão, com acessórios

Portugal exemplifica bem a variedade de respostas penais possíveis. Existem penas como a admoestação, a prestação de trabalho a favor da comunidade, a multa e a prisão. A execução da pena de prisão pode, em certos casos, ser suspensa ou substituída por multa, conforme critérios legais. Além disso, há penas acessórias — por exemplo, proibição de conduzir veículos motorizados — aplicáveis a tipos específicos, como a condução sob efeito de álcool.

Essa arquitetura mostra que a sanção penal não é monolítica: o sistema combina prevenção, reprovação e ressocialização, ajustando a resposta à gravidade do fato e ao perfil do agente. As medidas de segurança, por sua vez, têm natureza própria e vocação de proteção social diante de perigosidade avaliada juridicamente.

Grandes grupos de crimes: exemplos práticos

Uma forma didática de entender o Direito Penal é agrupar crimes conforme o bem jurídico tutelado. Cada tipo penal protege um valor: vida, integridade física, honra, patrimônio, dignidade sexual, ordem pública, entre outros. Abaixo, um panorama reescrito a partir das listas tradicionais em português:

Crimes contra a pessoa

  • Homicídio: matar alguém.
  • Infanticídio: matar o próprio filho durante o parto ou logo após, sob influência do estado puerperal.
  • Homicídio culposo: resultado morte por negligência, imprudência ou imperícia, sem intenção de matar.
  • Homicídio doloso: intenção de matar ou assunção do risco do resultado fatal.
  • Induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio.
  • Lesão corporal.
  • Abandono de incapaz.
  • Omissão de socorro.
  • Maus-tratos.

Crimes contra a honra

  • Injúria: ofensa à dignidade ou decoro (verbal, escrita ou por encenação).
  • Calúnia: atribuir falsamente a alguém a prática de crime.
  • Difamação: propagar fato ofensivo à reputação de outrem.
  • Plágio: cópia indevida de obras, ideias ou textos, tratada em certos contextos como violação de direitos autorais com gravidade específica.

Crimes contra o patrimônio

  • Furto: subtrair coisa alheia móvel.
  • Roubo: subtrair coisa alheia móvel mediante violência ou grave ameaça.
  • Latrocínio: roubo com resultado morte (a morte pode anteceder ou suceder à subtração).
  • Receptação: adquirir, receber ou ocultar coisa proveniente de crime patrimonial.
  • Dano: destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia dolosamente.
  • Extorsão: constranger alguém, com violência ou grave ameaça, para obter vantagem indevida.
  • Extorsão mediante sequestro: privar a liberdade para exigir resgate ou vantagem.
  • Usurpação: apoderar-se, no todo ou em parte, de imóvel alheio.
  • Estelionato: obter vantagem ilícita induzindo alguém em erro por meio ardiloso.
  • Violação de direito autoral: usar obra alheia sem autorização.
  • Violação de direito de marca, patente ou desenho industrial.

Crimes de colarinho branco e corrupção

  • Peculato.
  • Peculato mediante erro de outrem.

Crimes sexuais

  • Estupro: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar/permitir ato libidinoso.
  • Corrupção de menores: induzir pessoa entre 14 e 18 anos à prática de ato libidinoso.
  • Assédio sexual: pressionar alguém visando obter favores sexuais.

Crimes de perigo comum

  • Incêndio.
  • Explosão.
  • Desabamento ou desmoronamento.

Exemplos específicos listados em algumas fontes

  • Roubo de antiguidades: subtração de bens antigos; pode implicar responsabilização por roubo e receptação, com pena de detenção em moldes indicados nas referências.
  • Ocultação de antiguidades roubadas: esconder peças em porões, garagens etc. para enganar; em certos relatos, associa-se a receptação, quadrilha, falsidade ideológica e dano a bem artístico, histórico ou arqueológico.
  • Demolição com destinação ilícita de entulho: destruir imóvel para despejar restos em margens de rios, lagos etc.; descrições apontam múltiplas imputações possíveis (dano, crime ambiental, invasão, sabotagem) e referência a detenção elevada.
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Crimes contra a administração da justiça

  • Falso testemunho: declarar falsamente como testemunha ou calar a verdade.
  • Denunciação caluniosa: apresentar queixa ou denúncia sabendo ser falsa.

Crimes contra a economia popular e fraudes

  • Estelionato — em alguns resumos, imprópria e genericamente associado a “falsificação de dinheiro”; tecnicamente, corresponde à fraude para obter vantagem ilícita.
  • Esquema Ponzi: golpe financeiro estruturado.
  • Lavagem de dinheiro.
  • Fraude: termo abrangente usado em certos compêndios para furtos, assaltos, extorsões e sequestros visando valores, inclusive por violação de direitos autorais.

Esses grupos são ilustrações úteis, mas a dogmática penal trabalha também com classificações “transversais” que descrevem como o crime se forma, se consuma e se relaciona com outros fatos. É aí que entram as categorias materiais, formais, instantâneas, permanentes, tentadas etc.

Classificações dogmáticas essenciais (o “como” do crime)

  1. Crimes comuns: podem ser praticados por qualquer pessoa (ex.: furto, lesão corporal).
  2. Crimes especiais: exigem qualidade específica do agente prevista em lei.
  3. Crimes próprios: o tipo limita quem pode ser autor (ex.: funcionário público em peculato).
  4. Crime de mão própria: só se consuma com atuação pessoal do agente (ex.: falso testemunho; certos atestados falsos).
  5. Crimes de dano: exigem efetiva lesão ao bem jurídico (ex.: homicídio, furto).
  6. Crimes de perigo: basta criação do risco (individual ou coletivo), ainda que o dano não ocorra (ex.: conduzir embriagado).
  7. Crimes materiais: pedem resultado naturalístico distinto da conduta (ex.: morte no homicídio).
  8. Crimes formais: o tipo se consuma com a própria ação, independentemente do resultado posterior (ex.: ameaça).
  9. Crimes de mera conduta: a lei descreve o fazer ou não fazer, e o tipo se exaure na conduta (ex.: violação de domicílio).
  10. Crimes comissivos: requerem ação positiva (“fazer”).
  11. Crimes omissivos: punem a abstenção quando havia dever de agir (ex.: omissão de socorro).
  12. Crimes comissivos por omissão: não impedir o resultado quando o agente tinha dever jurídico de agir (ex.: guardião que deixa de alimentar e sobrevém morte).
  13. Crimes instantâneos: consumação ocorre num momento pontual.
  14. Crimes permanentes: a situação ilícita se prolonga no tempo (ex.: cárcere privado).
  15. Instantâneos de efeitos permanentes: ato pontual com efeitos duradouros (ex.: bigamia).
  16. Crime continuado: repetição de condutas semelhantes sob certas condições, tratadas como continuidade delitiva.
  17. Crimes principais: independem de outro crime prévio.
  18. Crimes acessórios: pressupõem um crime antecedente (ex.: receptação exige crime patrimonial anterior).
  19. Crimes condicionados: ação penal depende de condição objetiva (ex.: representação da vítima em hipóteses específicas).
  20. Crimes incondicionados: não exigem condição adicional para início da persecução penal.
  21. Crimes simples: contêm apenas os elementos nucleares do tipo (ex.: homicídio simples).
  22. Crimes complexos: combinam núcleos de tipos distintos (ex.: roubo reúne subtração e violência/ameaça).
  23. Crime progressivo: a lesão menos grave é etapa necessária de outra mais grave (ex.: lesão corporal que evolui para homicídio).
  24. Delito putativo: o agente acredita cometer crime, mas a conduta é atípica.
  25. Flagrante esperado: a polícia aguarda o momento da prática previamente noticiada para atuar no flagrante.
  26. Flagrante forjado: alguém é induzido a delinquir apenas para ser “pego” — cenário que suscita nulidades e ilicitudes.
  27. Crime impossível: meios absolutamente ineficazes ou objeto inadequado tornam irrealizável o resultado (ex.: tentar matar com instrumento incapaz).
  28. Crime consumado: todos os elementos do tipo se realizam no mundo dos fatos.
  29. Crime tentado: execução iniciada não chega à consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente.
  30. Crime falho: o autor esgota os meios executórios, mas o resultado não ocorre por fatores externos.
  31. Crimes unissubsistentes: se exaurem em um único ato (ex.: injúria verbal).
  32. Crimes plurissubsistentes: demandam vários atos para se consumar (ex.: estelionato com múltiplas etapas fraudulentas).
  33. Crimes de dupla subjetividade passiva: atingem mais de uma vítima simultaneamente (ex.: violação de correspondência que prejudica remetente e destinatário).
  34. Crime exaurido: após a consumação, o agente prossegue em conduta que apenas agrava as consequências, sem criar novo tipo.
  35. Crime de concurso necessário: exige participação de duas ou mais pessoas para existir (ex.: rixa).
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Esse quadro ajuda a organizar a mente para estudar tipificação, consumação, tentativa e concurso de agentes. É também essencial para calibrar a pena e compreender a estratégia processual (acusatória ou defensiva), já que cada classificação tem reflexos práticos concretos.

Outras categorias e noções correlatas frequentemente citadas

Para completar o panorama, vale listar outras etiquetas dogmáticas e institutos frequentemente mencionados em compêndios lusófonos. Eles complementam a visão e ampliam o vocabulário técnico:

  • Contravenção; Crime à distância; Crime ambiental; Crime autônomo; Crime complexo; Crime comum; Crime consumado; Crime continuado;
  • Crime contra a humanidade; Crime culposo; Crime de dano; Crime de fato permanente; Crime de guerra; Crime de lesa-majestade; Crime de mão própria;
  • Crime de responsabilidade; Crime doloso; Crime eleitoral; Crime habitual; Crime hediondo; Crime impossível; Crime instantâneo;
  • Crime organizado; Crime passional; Crime perfeito; Crime permanente; Crime plurissubsistente; Crime político;
  • Crime preterdoloso; Crime preterintencional; Crime provocado; Crime qualificado; Crime sexual; Crime tentado;
  • Criminoso; Criminologia; Delinquência; Infração penal; Iter criminis.

Esses rótulos permitem granularidade na análise: por exemplo, crimes qualificados elevam a pena por circunstâncias específicas; crimes hediondos têm regime jurídico mais rígido; crime organizado envolve estrutura estável e divisão de tarefas; e assim por diante.

Contraordenações em Portugal e antigas contravenções

Além dos crimes, a lei portuguesa prevê comportamentos ilícitos de menor gravidade: as contraordenações. Elas são puníveis com coima (sanção pecuniária) e processadas por entidades administrativas, com possibilidade de recurso ao Tribunal. Não são convertíveis em prisão, e sua punição pode ocorrer tanto por dolo quanto por negligência, como é comum em matérias de trânsito (Código da Estrada) e outras áreas regulatórias.

Historicamente, condutas hoje tratadas como contraordenações eram conhecidas como contravenções ou transgressões e corriam nos Tribunais. Com a reforma do sistema sancionatório, foram substituídas pelas contraordenações, deslocando a competência de tramitação para a Administração e reservando ao Poder Judiciário o papel de controle por meio dos recursos.

Pesquisa de diplomas e “como” achar a lei certa

Na prática forense e académica, é crucial localizar o diploma exato aplicável. Repositórios oficiais e bases de dados jurídicas oferecem filtros como pesquisa por assunto (com opção de “expressão exata”), busca por tipo e número/ano do diploma, pesquisa por nome do código e até a possibilidade de exibir apenas o registo principal ou agrupar resultados por diploma. Esses recursos poupam tempo e evitam erros de referência.

Fontes, referências e identificadores de autoridades

Entre os manuais e compêndios frequentemente citados em língua portuguesa, destacam-se obras de Lélio Braga Calhau (Criminologia), Luiz Régis Prado (Curso de Direito Penal Brasileiro) e Rogério Greco (Curso de Direito Penal). São leituras que, junto com a legislação e a jurisprudência atualizadas, ajudam a consolidar a base técnica.

Para quem gosta de explorar, há materiais multimédia e conteúdos livres relacionados ao tema “crime” em Wikimedia Commons e citações em Wikiquote. Em catálogos e bases de autoridade, o verbete “crime” costuma ter identificadores padronizados (por exemplo, Q83267 em projetos de dados abertos, e registros em AAT, GND, LCCN, NDL, MeSH, JSTOR, entre outros). Esses identificadores facilitam a interoperabilidade entre bibliotecas e repositórios.

Sem perder o pragmatismo: o estudo das classificações de crimes não é um exercício abstrato. Ele tem efeitos concretos na estratégia de investigação e defesa, na delimitação do tipo, na discussão sobre consumação/tentativa, na análise de concurso de crimes e agentes, e na proporção da pena. Uma vez dominadas as categorias — comuns, próprios, de mão própria; materiais, formais, de mera conduta; instantâneos, permanentes, continuados; principais, acessórios; condicionados e incondicionados — o profissional passa a enxergar o caso com muito mais nitidez e segurança.

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